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PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS PROSTITUTAS

Estou tentando digerir a última do Ministério da Saúde. Um tanto difícil, pois ainda encontro-me entalado com os vetos da Campanha de Carnaval com foco nos jovens gays e das histórias em quadrinhos do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE). Ingenuidade seria pensar que estes fatos não tem haver com as eleições 2014 em São Paulo e com as forças conservadores presentes no legislativo e no executivo, tentando forçar as portas do judiciário. 

Inúmeras as notas de repúdio e atos públicos que denunciam esta atitude retrograda de suspender subsídios que aliam saúde e direitos humanos, isto é, estratégia de prevenção à visibilidade das prostitutas, que historicamente são vítimas do empobrecimento social. Além disso, a exoneração do Dr. Dirceu Greco do cargo de diretor do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais, reforça o ditatorialismo que conduz à falência a política brasileira de Aids. 

Numa atitude meio pra não dizer que não falei das prostitutas, uma das peças voltam com outra frase sem ser a inicial: “eu sou feliz sendo prostituta”. Entre o original e o genérico, o último custará menos nesta relação moralista de poder e oportunismos que se estabeleceu. Este retrocesso poderia ser chamado também de putaria, mas não cabe o termo justamente pra não ofender as “putas” que com coragem assumem para todo Brasil sua felicidade. 

O ditado “se explicar, piora” cai muito bem às tentativas de se justificar a suspensão do material. Não é o individual que estrategicamente vai aproximar o público específico? Se não me vejo numa propaganda, com certeza é bem menor a possibilidade de me sentir atingido e/ou motivado ao que ela está me propondo. Agora, fazer política “para” os vulneráveis, é bem diferente que fazer “com” e não dá pra afirmar que quem está dentro do movimento não está na mesma (falta de) condição que seus pares e que não os representa. 

A atitude de Eduardo Barbosa e Ruy Burgos que estavam diretores-adjuntos deste mesmo Departamento, ao pedir a saída após a demissão do Dr. Greco, revela a dignidade e o compromisso com a causa. Além disso, reforçam na prática que não basta somente antirretrovirais e preservativos, mas que o diálogo e a ousadia/coragem são extremamente necessários na luta contra a Aids e o preconceito que nos impedem de viver plenamente.

MEU NOME NÃO É AIDS

O jovem estudante Petterson Silva (16) é morador do município de Acará/PA, situado no nordeste do Estado. Em 2011 participou da capacitação e implantação do Grupo Gestor Municipal (GGM) do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE). Desde então, vem colaborando nas ações de prevenção às DST e combatendo o preconceito em decorrência do HIV/Aids. 

Neste mesmo ano, integrou a Rede Jovens + Pará, articulação estadual da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens vivendo com HIV/Aids (RNAJVHA), que luta na promoção e defesa dos direitos humanos, com foco na saúde sexual e reprodutiva da população juvenil. Ele não vive com HIV, mas é um dos tantos jovens que hoje atuam com a RNAJVHA combatendo a discriminação a pessoas vítimas da Aids. 

Este mês o “ Gazeta do Vale”, jornal de circulação no Acará e em municípios vizinhos, publicou a matéria: “Preconceito é o principal problema para os portadores do HIV/Aids”. Junto às informações divulgadas, estava a foto de Petterson, justamente por ser um dos entrevistados sobre o assunto. Entretanto, após publicar a página com a notícia no facebook, começou a sofreu comentários de caráter preconceituoso. 

O título da matéria confirmou de forma antecipada aquilo que se comprovou em comentários , tanto na rede social, quanto em sua cidade. Porém, não é a primeira vez que Petterson tem recebido algumas censuras por se posicionar em defesa dos direitos humanos. Em algumas de suas postagens nas redes sociais se colocando contra a homofobia, também recebeu avacalhações. 

A grande questão é que esta atitude não se configura como um fato isolado ou até mesmo algo que vem para vitimar. A mesma situação ocorrida com Petterson é constante e em alguns lugares tem ocorrido de forma ainda mais violenta. Em São Paulo/SP, por exemplo, pai e filho foram confundidos com homossexuais e agredidos, sendo arrancada uma parte da orelha de um deles. Já em Camaçari/BA, um jovem também heterossexual foi brutalmente assassinado por está abraçando seu irmão. 

O fato é que não precisa ser soropositivo para também sofrer a discriminação das pessoas que vivem com HIV: basta assumir a luta contra a Aids para ser alvo de comentários estigmatizantes. Assim como o ser gay, lésbica, travesti ou transexual não é o único para ser vítima da homofobia, basta ter uma postura afetiva “diferente” da “normatividade”. Portanto, antes de fazer um discurso que limite a criminalização da homofobia somente a um direito de LGBT, vale lembrar que esta mesma violência vem atingindo também heterossexuais. 

Conforme a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da Aids¹: “ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/aids”, “ninguém poderá fazer referência à doença de alguém, passada ou futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/aids, sem o consentimento da pessoa envolvida” e; “todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes”. 

Infelizmente o compromisso com a vida nem sempre é visto com os olhos da solidariedade, onde a trave do preconceituoso insiste tapar. Porém, antes de qualquer afirmação equivocada ou atitude preconceituosa, vale lembrar que ninguém, a não ser a própria pessoa, tem o direito de revelar sua condição sorológica, seja ela qual for. E independente se positiva ao HIV ou não, merece ser respeitada em sua dignidade, independente de religião, orientação sexual, raça/etnia, etc. 

E antes que limitemos as pessoas simplesmente em um vírus, a reflexão do atual representante da RNAJVHA/Amazônia tem muito a nos ensinar: 

Logo que descobri fiquei amedrontado, sem saber ao certo do que se tratava. Foi um momento de muito transtorno, fiquei sem “chão”. Aquele foi um momento oportuno para que eu pudesse buscar informações a respeito do que é o vírus HIV. Depois de um tempo já conformado, o que mais me chocou foi saber e notar em tudo o que li e em todas as informações que captava, o que mais mata, é o preconceito que a sociedade impôs sobre as pessoas que vivem com HIV. Hoje eu tenho uma concepção de mundo, não tenho vergonha do que sou. Me chamo EFRAIM LISBOA e não Aids...


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¹ Confira em: www.aids.gov.br/pagina/direitos-fundamentais  (consulta realizada em 08 de abril de 2013).

ÁGUAS DE MARÇO

“São as águas de março fechando o verão
é a promessa de vida no teu coração”
Águas de Março - Tom Jobim

Profundas experiências místicas de fraternidade e luta vem sendo vivenciadas em Belém/PA, durante o mês de março. São momentos realizados em uma sintonia que, independente de religião, orientação sexual, cor/raça, sexo, idade, gênero e outras diferenças, testemunham “como é bom e agradável os irmãos viverem unidos” (Salmo 133). Quero destacar dentre estas, três ocasiões que participei e que me fizeram refletir/reafirmar o quão importante vem sendo o ecumenismo e o diálogo inter-religioso na capital paraense.

Na primeira sexta-feira (01), vivemos em comunhão com diversos países o Dia Mundial da Oração (DMO). Ele “é um movimento que reúne mulheres cristãs, de muitas tradições, em todo o mundo, para observar um dia comum de oração por ano”¹. Em 2013, as mulheres da França contribuíram com a elaboração da proposta de reflexão e animação a ser celebrada em todo mundo. O Evangelho de Mateus inspirou o tema “Era forasteiro e me hospedastes” (Mt 25,35), motivando à oração-reflexão-ação sobre a realidade de acolhida ao estrangeiro e do tráfico de pessoas.

Em nosso Estado, este momento é construído pelo movimento ecumênico, congregando diversas igrejas, entidades e pessoas cristãs, num cuidado que se revela na ornamentação do espaço celebrativo, na acolhida fraterna, na harmonia das vestes e das canções inculturadas, no alimento compartilhado, na oferta direcionada a projetos sociais apoiados anualmente pelo DMO, entre outros elementos. Uma liturgia expressa com simplicidade e riqueza, nos conectando ao Sagrado e também à vivência de imigrantes na França e em outras nações: suas dificuldades e superações, acolhidas e desprezos, conquistas e desafios.

Durante as comemorações do Dia Municipal e Estadual da Umbanda e outros cultos Afro-Brasileiros, fomos às ruas na IV Caminhada Pela Liberdade Religiosa. O centro da cidade na manhã de 17 de março, amanheceu ao som dos atabaques e agôgos, abrindo espaço para danças, saudações, intervenções políticas contra a intolerância religiosa e racismo. Subindo a Presidente Vargas, uma das importantes avenidas da cidade, os participantes defenderam o respeito e o reconhecimento da afroreligiosidade, levando o clamor contra a intolerância religiosa rumo à Praça da República. 

A memória de mãe Doca, também esteve presente durante a caminhada. Ela se tornou símbolo de resistência por ter sido a mulher que primeiro tocou tambor no Pará, enfrentando os ataques sofridos pelas comunidades de terreiro. Um pedaço de Aruanda construído pela relação com a natureza e o cuidado com o outro viveu-se naquele momento.

O martírio de Dom Oscar Romero em El Salvador também foi rememorado na noite do 23, durante Ofício dos Mártires da Caminhada. Celebramos a vida deste bispo que, nos passos de Jesus, assumiu a causa dos direitos humanos, denunciando sem medo a violência política, sendo, por isso, perseguido e assassinado  pela ditadura militar no dia 24 de março de 1980, enquanto presidia a missa. Buscou-se recordar a vida de quem tombou lutando pela justiça social, pelos empobrecidos(as).

Outros(as) mártires como Ir. Dorothy, Pe. Josimo, Chico Mendes, Ir. Adelaide, Pe. Gisley, Dom Hélder Câmara, Alexandre Vanucci, etc. também foram lembrados por seu compromisso em defesa da vida. Cada participante, com velas nas mãos ao redor da Palavra, alimentou-se das palavras do Evangelho de João que trazia o amor como maior mandamento (Jo 15,7-17), não numa relação de servidão, mas de amizade com Jesus e de compromisso com o Reino. O sangue das vidas dadas, a doação da própria vida como testemunho evangélico de amor, esteve presente nas orações, nas músicas, nas danças.

Problemas relacionados aos direitos humanos, meio ambiente, violência, saúde... tornaram deste um mês, mais kairós que cronos, nos desafiando a fé e questionando-nos sobre aquilo que realmente acreditamos e defendemos enquanto bem-viver. Balançados(as) entre o pessimismo e o otimismo, envolvidos(as) por sentimentos de preocupação, frustração e cansaço.

Entretanto, são águas de março que vão e vem, crises e soluções convivendo em um mesmo tempo e mesmo espaço, que necessitam existir, para que possamos rezar, lutar e festejar resistindo e não desistindo da promessa de vida em abundância para todos e todas.

  
 

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¹ Site do Dia Mundial da Oração: http://www.dmoracao.com/index.php?pagina=1334759358

JOVENS CELEBRAM A VIDA DOS MÁRTIRES E O COMPROMISSO COM OS DIREITOS HUMANOS

No próximo dia 23 de março, acontece na Paróquia Imaculada Conceição (Belém/PA) a Celebração dos Mártires da Caminhada em memória daqueles que morreram defendendo a vida. O momento quer recordar o testemunho de pessoas que se contraporam a cultura de morte e assumiram o compromisso com as causas dos empobrecidos. 

Esta celebração também será dedicada a Dom Oscar Romero, assassinado em El Salvador no dia 24 de março de 1980, por um atirador do exercito salvadorenho. Por sua atuação em defesa da justiça social e sua solidariedade as vítimas da violência política, sofreu perseguição da ditadura militar e seu martírio durante a celebração de uma missa que presidia. 

Diversos protestos aconteceram neste país com a sua morte e em todo mundo se pressionava por reformas em El Salvador. Por este motivo também a ONU decretou 24 de março como o “Dia Internacional pelo Direito à Verdade acerca das Graves Violações dos Direitos Humanos e à Dignidade das Vítimas” e o Papa João Paulo II o declarou como “Servo de Deus”. 

Num contexto quaresmal, de encerramento da Campanha da Fraternidade com tema “Fraternidade e Juventude”, a celebração martiral também será um chamado a conversão aos direitos dos adolescentes e jovens. Momento de reacender a chama da utopia, de recriar a festa da vida e assumir o compromisso com a causa juvenil. 

Para esta celebração estão sendo mobilizados grupos de jovens da Pastoral da Juventude e outras expressões juvenis, assim como as pastorais sociais, comunidades eclesiais de base, religiosos da vida consagrada, Igrejas Cristãs e movimentos sociais comprometidos com a luta pelos Direitos Humanos. 

SERVIÇO
PAUTA: Celebração dos Mártires da Caminhada
DATA: 23 de março de 2013 HORÁRIO: 19h00
LOCAL: Paróquia Imaculada Conceição
END.: Rua Snapp, 09 – Castanheira (atrás do Colégio Madre Celeste)
MAIS INFORMAÇÕES: (91) 81831841 / 99257434 / 81424611

JUVENTUDE CATÓLICA EM TEMPO DE AIDS

No final dos anos 80, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu o 1º de dezembro como Dia Mundial de Combate a Aids. Em diversos países, ocorrem várias atividades alusivas como: campanhas de prevenção, testagens para o HIV, debates a cerca da qualidade de vida de pessoas soropositivas, etc. Em 2012, o Ministério da Saúde investe na testagem para o HIV, sífilis e hepatites B e C, enquanto o movimento social denuncia o enfraquecimento da política de enfrentamento da epidemia de aids no Brasil. 

Quando falamos do HIV, não estamos tratando somente de um vírus biológico, mas também social. Mais do que atacar as células de defesa, ele também contribui para a violência contra populações vulneráveis, na reprodução de olhares e práticas discriminatórias. Há discursos estigmatizantes, que também aumentam ainda mais o preconceito contra a juventude.

Na contramão das especulações e de notícias tendenciadas por algumas mídias, estão dados importantes que apontam os(as) jovens como as principais vítimas desta realidade. O fato é que a não efetivação das políticas públicas existentes e a ausência de específicas para/com a juventude, dificultam o seu desenvolvimento integral.

No serviço de saúde, a situação se agrava em muitas unidades/postos, que além de não acolher de forma humanizada, não oferecem nem o básico, o que acaba distanciando ainda mais a população juvenil, principalmente do sexo masculino. O acesso à prevenção de DST e à gravidez na adolescência e ao planejamento familiar, nem sempre são encontrados nestes espaços.

Ainda que a promoção da saúde seja um dos temas transversais nos Parâmetros Nacionais Curriculares (PNCs), nem sempre são garantidos. Em muitas unidades de ensino não existe o Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE)[1], ou apresenta dificuldades na realização, sendo resumidos na disciplina de biologia ou apresentados de forma tendenciosa.. Além disso, há uma “invisibilidade” da aids no ambiente escolar e uma violência “velada” em decorrência dela.

Neste cenário também está presente desde 1999, a Pastoral da Aids. Este serviço “atua especificamente no campo das DST/HIV/Aids, procurando dar conta das questões que surgem nesta área e que colocam em relação a Igreja e epidemia que atinge o país em todas as suas regiões, desconhecendo limites de idade, sexo, condição social ou religiosa”[2].

Na Parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), somos convidados(as) a fazer duas reflexões: “de um lado, há uma proposta de leitura muito comum e aceita por todos que é procurar seguir a sugestão de Jesus no final do relato: ‘vá e faça a mesma coisa’... Ou, seja, Jesus convida a assumir o lugar do caído, pois só pode tornar-se próximo de alguém aquele que precisa .Somente quem experimenta na pele a dor do abandono, da marginalização pode deixar que se aproxime alguém que está fora do sistema , dos padrões estabelecidos. É preciso saber-se caído, pobre, para entender em sintonia com quem está a margem do caminho”[3].

Os bispos da América Latina e do Caribe, orientam: “consideramos de grande prioridade fomentar uma pastoral com pessoas que vivem com HIV/aids, em seu amplo contexto e em seus significados pastorais: que promova o acompanhamento integral, misericordioso e a defesa dos direitos das pessoas infectadas; que implemente a informação, promova a educação e a prevenção, com critérios éticos, principalmente entre as novas gerações, para que desperte a consciência de todos para o controle desta pandemia”[4].

Mas, onde está o meu grupo de jovens no meio de tudo isso? Como estamos trabalhando a prevenção e a acolhida de jovens vivendo com HIV? Afinal, "os grupos de jovens são um instrumento pedagógico de educação na fé. O pequeno grupo, como instrumento de evangelização, foi um dos instrumentos pedagógicos usados por Jesus ao convocar e formar seu grupo de doze apóstolos"[5].

O trabalho de base, além de promover a integração, possibilita também a “educação entre pares”, ou seja, jovem educando/evangelizando jovem. Porém, é preciso garantir um espaço mais de escuta e buscar, na medida do possível, utilizar as informações e experiências que trazem, para reforçar ou ajustar algum entendimento. Um espaço com verdades prontas, afirmações fechadas, tendem a inibir a participação destes(as) não só no grupo, mas no seu protagonismo juvenil.

O acesso a informação é muito importante para “que a saúde se difunda sobre a terra” (Eclo 38,8). A escolha dos materiais que serão utilizados (vídeos, textos, músicas...), assim como das pessoas quem vão ajudar, precisa ser feita com atenção. Procure saber a fonte dos subsídios e o envolvimento do facilitador(a)/assessor(a) acerca do assunto. Ficar atento(a) para não constranger, machucar... mas em acolher, informar, cuidar.

Já dizia a frase de uma campanha: “viver com aids é possível, com o preconceito não”. Por mais que haja populações vulneráveis, não é o contato com grupos específicos que determina a infecção ao HIV, mas comportamentos de risco. E antes de segregar alguém, é preciso não esquecer que “Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2,11).

É muito importante que os(as) jovens católicos(as) participarem no enfrentamento da juvenização da aids, na desconstrução de mitos relacionados à prevenção e à vhivência. É promover a solidariedade, “para que todos tenham vida em abundância” (Jo 10,10).
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[1] O Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade de adolescentes e jovens às doenças sexualmente transmissíveis (DST), À infecção pelo HIV, à aids e a gravidez não planejada, por meio de ações no âmbito das escolas e unidades de saúde.
[2] Guia do Agente de Pastoral da Aids – Porto Alegre, RS: Pastoral DST/Aids – CNBB, 2005. p. 20.
[3] Idem. p. 62.
[4] Documento de Aparecida, n. 421. Texto Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (CELAM - 2007).
[5] Evangelização da Juventude: desafios e perspectivas pastorais, n. 151 - CNBB, 2007/Doc. 85

O PROTAGONISMO DE ADOLESCENTES E JOVENS POSITHIVOS(AS) NAS ELEIÇÕES

De acordo com Boletim Epidemiológico Aids e DST 2011 divulgado pelo Ministério da Saúde, foram diagnosticados cerca de 66.698 casos de aids entre a população de 15 a 24 anos, no período de 1980 a 2011. Este número corresponde a cerca de 11% do total de casos de aids notificados no Brasil desde o início da epidemia ocorre entre jovens, sendo 38.045 no sexo masculino (57%) e 28.648 no sexo feminino (43%). O mesmo também apresenta o aumento de 10,1% entre os gays nesta faixa etária.

Somos impulsionados(as) a refletir não somente a cerca de uma prevenção soronegativa, mas integral, inclusiva e participativa que também leve em consideração a promoção da saúde de pessoas vivendo com HIV, com foco nas populações vulneráveis. Ainda que programas, projetos, eventos e campanhas ocorram nesta perspectiva, torna-se necessário POLÍTICAS PÚBLICAS, que garantam nas esferas federais, estaduais e municipais a permanência destes direitos.

O conceito de CIDADANIA (do latim “civitas” – cidade) aponta para o conjunto de direitos e deveres que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de sua gente[1]. A legislação brasileira garante a todo e qualquer cidadão(ã) – e isso também vale a pessoas que vivem com HIV – obrigações e direitos que nem sempre são efetivados ou negligenciados. E é nesta conjuntura que os(as) jovens precisam exercer sua PARTICIPAÇÃO POLÍTICA. Ainda que perpasse pelas campanhas e eleições ao executivo ou legislativo, o exercício da cidadania envolve também o acompanhamento destes(as) na efetivação de suas atividades.

Grande parte dos(as) adolescentes e jovens enfrentam o empobrecimento social, sendo as principais vítimas da violência. O Mapa da violência 2012[2] revela que nos últimos 30 anos houve um aumento de 346% na taxa de homicídios entre crianças e adolescentes com idades entre zero e 19 anos. Esse crescimento quase que sistemático, vem-se dando muitas vezes de forma velada, que vai desde a sua criminalização até a negação de seus direitos básicos. Todavia, o protagonismo juvenil nas diversas organizações, movimentos e em redes sociais vem contrapondo a este cenário opressor onde através da incidência política e do controle social, os(as) jovens têm contribuído na formulação de POLÍTICAS PÚBLICAS PARA JUVENTUDE.

No contexto da saúde, esse protagonismo se revela por meio da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids (RNAJVHA). A rede tem a missão de agrupar, acolher e apoiar adolescentes e jovens vivendo com HIV e AIDS, bem como elaborar e incitar respostas, ações e políticas públicas contra os estigmas e impactos do HIV e AIDS[3]. Sua atuação se dá através do empoderamento juvenil, com foco nos seus direitos sexuais e reprodutivos e sua participação acontece em diversos espaços da sociedade civil e do poder público.

Estamos caminhando para um momento importante: as eleições municipais. Prefeitos(as) e vereadores(as) serão escolhidos(as) em vista do bem comum, do bem-viver. E, novamente, a juventude vivendo com HIV, deve levantar sua bandeira em vista de possíveis mecanismos que possam garantir uma atenção integral a sua saúde e o de políticas públicas capazes de oferecer uma assistência de incidindo em qualidade de vida. 

As organizações não governamentais que compõem o Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE)[4] elaboraram conjuntamente o PACTO PELA JUVENTUDE com propostas específicas para este público, no qual os(as) candidatos(as) aos cargos/serviços políticos espalhados(as) pelo Brasil, são convidados a assinar se comprometendo com aquela demanda. Em 2012, dentre as diversas proposições, está a promoção da saúde integral: “Criar uma Política de Saúde específica para população jovem, orientada pelos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), da laicidade do Estado e do direito à experimentação, que tenha como prioridades o respeito aos direitos sexuais e reprodutivos, o combate à juvenilização da Aids, a disponibilização de meios adequados de prevenção e tratamento do uso abusivo de álcool e outras drogas e o enfrentamento da mortalidade materna juvenil, por meio de ações e do atendimento humanizado e qualificado na rede pública de saúde”[5].

Não há dúvidas de que o momento precisa ser agora. Dar visibilidade a candidatos(as) que levantem nossas bandeiras e sensibilizar aqueles(as) que ainda não assumiram essa responsabilidade em seus programas de Governo. Garantindo acima de tudo sua adesão ao PACTO PELA JUVENTUDE, para posteriormente a sociedade fazer o controle social frente aos deveres e obrigações de vereador(a)s ou prefeito(a)s firmadas em campanha. Talvez este não seja o único, mas é um dos caminhos que poderá garantir frutos em nossas vidas e na vida dos(as) que virão.

[1] UNICEF. “Guia dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Adolescentes e Participação Política”.
[2] Confira em: http://www.mapadaviolencia.org.br/. (Acessado em 04 de setembro de 2012).
[3] Carta de Princípios da RNAJVHA: http://jovenspositivos.org.br/index.php/articles/weblinks/carta-de-principios. (Acessado em: 04 de setembro de 2012).
[4] A RNAJVHA compõe o conjunto de organizações da sociedade civil no CONJUVE, durante o biênio 2012/2013. Confira: http://www.juventude.gov.br/conjuve. (Acessado em 04 de setembro de 2012).
[5] Confira o documento e outras informações em: http://pactopelajuventude.files.wordpress.com. (Acessado em 04 de setembro de 2012).

MAIS UM JOVEM ASSASSINADO NA CABANAGEM

Ontem à noite (26/07), por volta das 21h30 um policial militar foi assassinado nas ruas do bairro da cabanagem em Belém/PA. O crime aconteceu quando o mesmo voltava para a casa e foi abordado por dois homens que queriam roubar sua moto. O soldado foi baleado pelas costas e levado ao hospital, mas não conseguiu resistir.

Os acusados fugiram levando a moto do PM, deixado a que eles estavam no local. Até então, não se sabe se o militar reagiu ao assalto. Mas, quem era este policial militar?

Alan Silva era um jovem de 25 anos que morava no bairro da cabanagem. Além de policial, contribuía na Comunidade Santa Luzia, pertencente à Paróquia Santa Edwiges. Por sua proximidade com a música, ele ensinou alguns adolescentes e jovens a tocar flauta e violão. Foi membro do Grupo JUSL – Jovens Unidos de Santa Luzia, da Pastoral da Juventude da referida paróquia e também ajudou na Pastoral do Menor e Ministério de Música desta comunidade eclesial.

Em outubro de 2010, a Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Belém saiu em marcha pelas ruas da Cabanagem, para celebrar o Dia Nacional da Juventude (DNJ). A atividade tinha como principal propósito denunciar as diversas violações de direito que os(as) jovens vem sofrendo naquele bairro, principalmente na questão da violência.

Este ano, o DNJ da Arquidiocese de Belém acontecerá no município de Marituba. Porém, a pauta continua: “Chega de violência e extermínio de Jovens”. Com o lema da Campanha Nacional contra a violência e o extermínio de Jovens, organizada pelas Pastorais da Juventude do Brasil, vem acontecendo um movimento missionário e profético a cerca dos direitos juvenis.

Dentre os principais desafios, está no comprometimento não só afetivo, mas efetivo com a vida destes(as) jovens. O Estado e as demais instituições (as igrejas, as escolas, as associações comunitárias, etc.), precisam olhar com mais credibilidade para os(as) jovens e investir em políticas que de fato causem um impacto positivo na vida destes(as). Programas de Governo são necessários, mas não é suficiente. Assim como ter jovens dentro das paróquias somente como discípulos(as), não basta.

Vamos deixar esta ser mais uma vida no meio a tantas vidas de jovens exterminados(as)?

Alan Silva, transvivencia deixando-nos a certeza que queria viver. Sua vida doada a serviço de uma comunidade simples da periferia nos remete a uma série de reflexões e atitudes necessárias e urgentes. Fica entre nós diversos gritos: de dor da família, parentes e amigos(as) e da Juventude que quer viver. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!

CONSTRUINDO O CATORZE DE MAIO

Existem dias que prometem ser radiosos, ensolarados e, se a dinamicidade da vida está em sintonia com a situação climática, advém à promessa de muitas alegrias. A data de catorze de maio de 1888 foi assim.

O dia prometia muito. No dia anterior havia sido assinada a Lei Áurea e com essa assinatura surgia promessa de uma vida melhor para os afro-brasileiros. Os negros não seriam mais obrigados a viver de forma indigna trabalhando para os senhores à custa de chicote e alguma comida. Então o acontecimento do treze de maio prometia para o catorze, do mesmo mês e, para os outros dias seguintes, um tempo melhor para os negros.

Entretanto, a promessa não se concretizou. O dia que iniciava bonito tornou-se feio. O catorze de maio alvissareiro se efetivou como tempo da continuidade dos tormentos dos negros. A diferença é que não estavam mais a mercê dos humores dos senhores escravagistas. A sociedade que defendia o modelo escravagista a partir do racismo manteve esta mesma orientação mesmo a pós à assinatura da Lei Áurea, impedido a população negra de alcançar o mínimo de condições sociais para sobreviver dignamente. Então o “catorze de maio” não se efetivou como um dia bom, alvissareiro, mas um dia comum, em continuidade aos dias anteriores, marcado pela negação dos direitos mais elementares da população negra.

A negação cultural continuou, pois a população negra continuou sendo tolhida na possibilidade de manifestar toda a riqueza e diversidade das tradições culturais trazidas da África. Quando havia algum princípio de acolhida era mais sob aspecto da cooptação ou compreendida como manifestação de sub-cultura, com certa condescendência dos que tinham realimente um tradição cultural. No que diz respeito aos aspectos social e econômico o processo de empobrecimento se agravou, pois os negros não tiveram direito a posse da terra e nos centros urbanos não foram acolhidos enquanto empregados na indústria que nascia. A sobrevivência era conseguida através do subemprego. Esta situação era agravada pela existência de mecanismo de controle e coerção do Estado que segregava ainda mais a população afro-brasileira.

A manifestação religiosa também sofreu abalos. No período escravagista havia a proibição de qualquer forma de manifestação ligada à tradição de origem africana, fato que fez da senzala o espaço da ressignificação religiosa fenômeno percebido ainda hoje. No período pós-escravidão a explicitação religiosa de origem africana tornou-se caso de polícia e a intolerância de parte do aparato policial e das Igrejas era vista como normalidade. Os tantos casos de intolerância religiosa contra os irmãos que seguem as religiões de matriz africana tem uma raiz em um preconceito religioso histórico que precisa ser extirpado do nosso imaginário.

Estas negações acima descritas contribuíram para as dificuldades da participação política da população afro-brasileira. O viés autoritário da política brasileira atingiu os negros. E aqui a dificuldade não está somente na vertente partidária, mas também nos diferentes órgãos de representação da sociedade civil: agremiações, sindicatos, clubes, etc. O racismo tornou-se um fenômeno disseminado na sociedade como um todo e a famosa assinatura, mesmo com o seu significado histórico não implicou em melhoria da vida dos afro-brasileiros.

Seria ilusão imaginar que aconteceriam transformações profundas, como se num passe de mágica. De fato, isto não aconteceu. Até porque o evento de “treze de maio” já estava sendo construído na sociedade com acordos entre as elites e pela pressão dos negros, isto com muitas tensões e conflitos. Mesmo enquanto processo social com interesse direto da população negra, teve uma participação mínima dos negros. Foi uma decisão acordada entre as elites que impediram a reparação dos ex-escravos e a participação dos libertos nos processos econômicos, políticos e sociais.

Esta leitura histórica permite a certeza de que o “catorze de maio” ainda está sendo construído e, nesta construção, encontra-se muita resistência ao protagonismo dos afro-brasileiros. Como a obra não está pronta, e alguns não a querem acabada, cabe aos afro-brasileiros assumir continuar na luta, para que o passado de privações não tenha tanta força na alma dos afro-brasileiros influenciando o presente e comprometendo o futuro. A construção do catorze de maio é a construção do futuro nosso e das gerações que virão. Existem indicativos de que a desconstrução da negatividade está acontecendo. E isto é muito bom. É o protagonismo social e eclesial defendido e incentivado na Conferência de Aparecida (DAp 75).

O dia 20 de novembro congrega esta expectativa da população afro-brasileira. É uma data importante nesta construção necessária. A memória de Zumbi dos Palmares evoca alguém que foi a luta por não se contentar com a condição social dada. E a celebração desta memória convida ao compromisso de construir outra história com a população negra: a história da superação da escravidão, do racismo e da discriminação, da xenofobia e diferentes formas de intolerância.

Nesta construção temos alguns referenciais: a cultura que resistiu, apesar das negações; a alegria e sentido da vida e de Deus presente na vida; a profunda ligação familiar, a capacidade de acolhida ao diferente, o dom de reinventar a vida mesmo em condições adversas. Compreendemos isto como dom de Deus, um dom que ajudará na reconstrução do catorze de maio.

A pastoral afro-brasileira nasceu no tempo pós-catorze de maio, quando alguns homens e mulheres, com um amor muito profundo pela Igreja, (e aqui lembramos Padre Antônio Aparecido da Silva – Padre Toninho – de saudosa memória), sonharam que ela poderia se enriquecer ainda mais e potencializar a sua fidelidade ao mestre de Nazaré na medida em se fazia solidária com os afro-brasileiros. A acolhida dos negros na Igreja implicava na acolhida da diversidade, querida por Deus e concedida pelo Espírito. Implicava também em superar os erros do passado quando não ecoou sua voz na defesa das vidas exterminadas pelo escravagismo.

O tempo passou e estamos experimentando as conseqüências deste passo significativo marcado pela ousadia, sentido eclesial e espírito profético. Um passo que gerou outros passos, igualmente importantes, e que estão contribuindo para que os negros cheguem à cidadania social e eclesial.

Estamos nesta nova época numa travessia. Ressignificando o catorze de maio. Iluminados pelo Espírito de Deus, com a força e coragem dos nossos ancestrais estamos neste caminho. Em que pesem as fragilidades, equívocos de indivíduos ou grupos, é palpável o enriquecimento da Igreja em sua caridade pastoral, segundo o coração, no horizonte da “civilização do amor”, “habitat do desenvolvimento do homem todo e de todos os homens” (Caridade na verdade 1). É a construção que enriquece a todos, pois todos delam participam e almejam o melhor resultado segundo os valores do Reino de Deus.
_________________________________
Pe. Ari Antônio dos Reis
Assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB.

PASTORAL AFRO-BRASILEIRA REALIZA ENCONTRO EM BELÉM

Neste sábado (16), acontece o Encontro da Pastoral Afro-Brasileira (PAB) na Sede Regional da CNBB em Belém/PA. A atividade tem por objetivo refletir sobre o importante papel e atuação da PAB na igreja e na sociedade.

O Documento de Aparecida (CELAM, 2007) revela que a história dos povos afro-ameríndios tem sido marcada por uma exclusão social, econômica, política e sobretudo racial. Além do ocultamento de seus valores, vivem ameaçados em sua existência física, cultural e espiritual.

Em contrapartida, a Igreja Católica através da Pastoral Afro-Brasileira assume a causa dos(as) empobrecidos(as), estimulando a participação ativa de negros(as) nas ações pastorais e se fazendo presente na luta por seus legítimos direitos. Em sua missão, se faz solidaria nas reinvindicações pela defesa de seus territórios, na afirmação dos seus direitos, na cidadania, nos projetos próprios de desenvolvimento e consciência de negritude.

Durante a programação, racismo e violência serão assuntos abordados, além da identidade, a missão e a organização da Pastoral Afro-Brasileira. No encerramento, haverá celebração pela Páscoa do Pe. Gisley Azevedo (ex-assessor do Setor Juventude da CNBB), em memória aos 03 anos de seu assassinato e pela sua vida doada pela vida dos(as) jovens. 

SERVIÇO
Pauta: ENCONTRO DA PASTORAL AFRO-BRASILEIRA
Data: 16 de Junho de 2012 Horário: 08h às 17h
Local: Sede da CNBB/Regional Norte 2
End.: Trav. Barão do Triunfo, 3151 - Marco (entre Alte. Barroso e 25 de setembro)
Mais informações: Silvia Barbosa - barbosa_silvia@hotmail.com ou 88064831

A MORTE JÁ NÃO MATA MAIS

Retomar com mais presença a vida de blogueiro no dia em que se recorda a memória de D. Oscar Romero, me faz mergulhar numa nostalgia. Uma saudade não vivida, mas guardada em minha memória e de outros(as) homens e mulheres que acreditam num Deus Libert-Ação.

A coragem deste bispo dos pobres está presente na vida dos povos da América Latina. Seu assassinato por um soldado enquanto celebrava uma missa, não foi por qualquer coisa: foi pelo Evangelho! Sua paz subversiva fez toda diferença que além de João Paulo II declará-lo “Servo de Deus”, o 24 de março é Dia Internacional pelo Direito à Verdade acerca das Graves Violações dos Direitos Humanos e à Dignidade das Vítimas, em reconhecimento da ONU para com a sua atuação.

Quando retomo com este “ofício” prazeroso de partilhar alguns textos e outros subsídios é no sentido de partilhar sobre a vida, contribuindo também na vida de outras pessoas. Assim como meu blog anterior foi aberto a críticas e sugestões, este permanecerá com a mesma dinâmica. Parodiando a canção “Liberdade” do companheiro Zé Vicente: “Mira este blog, espaço aberto pra te acolher”.

Quero também dedicar o retorno do meu blog a uma companheira que há algum tempo vem contribuindo significativamente na minha caminhada e que hoje celebra mais um ano de vida: Silvana Sarmento. Esta cuidadora de tantos(as) jovens que direto ou indiretamente tiveram contato com sua ternura, nos revela a face de Deus a partir do Ministério da Assessoria que hoje assume como serviço sempre que possível!

Sendo D. Oscar Romero um mártir pelo mártir Jesus, temos a certeza de que sua “morte” é vida na oração, na luta e na festa. Sendo Silvana Sarmento uma cuidadora de jovens, temos a certeza de que seu serviço  já é mais um passo em vista de outro mundo possível. Viva a tarefa e a esperança na construção da Civilização do Amor!

Blog Amiguinhos de Deus

A JUVENTUDE QUER VIVER


“Vamos juntas/os gritar, girar o mundo:
Chega de violência e extermínio de jovens!” [1]
(Pe. Gisley de Azevedo Gomes)

1. Contra o extermínio de jovens

É com prazer que aceitamos o convite para novamente escrever sobre Bíblia e juventudes. No artigo anterior[2], falamos sobre juventudes e mundo urbano. Nosso propósito, naquele texto, era falar sobre as várias tribos juvenis presentes nas cidades e como essa diversidade poderia resultar em hermenêuticas que, não mais produzidas para, mas pelos jovens, pudessem alimentar sua resistência às limitações impostas pelo adultocentrismo[3]. O que agora apresentamos segue a mesma linha, aprofundando o tema, uma vez que falaremos sobre a violência, mal que aflige principalmente o público juvenil, mas que felizmente encontra movimentos de resistências organizados pelas próprias juventudes para combatê-lo.

Antes de prosseguirmos, porém, uma ressalva. Por força do tempo e espaço destinado a este artigo, e também por nossas próprias limitações, não escreveremos sobre juventudes em geral, mas a partir de alguns grupos juvenis urbanos, aos quais conseguimos alcançar por nossa condição geográfica, experiência pessoal, profissional ou, ainda, por nossa ação pastoral. Temos certeza de que as realidades relatadas aqui poderão coincidir com as de outros grupos, bem como ser complementadas ou refutadas por experiências que quem nos lê possa ter, por ventura, acumulado.

Dito isto, passemos ao nosso tema. Comecemos por uma cena da vida real. Em junho de 2009, a juventude católico-romana perdeu Pe. Gisley, assessor do Setor Juventude da CNBB, vítima de latrocínio. Os autores: quatro jovens, um deles com menos de 18 anos. Uma cena de violência juvenil, como tantas outras, mas esta nos chama a atenção pela ironia: Gisley era defensor da luta contra a redução da maioridade penal e um dos principais motivadores da campanha “Juventude em Marcha contra a Violência e o Extermínio de Jovens”. Sua morte alavancou não só esta campanha como reanimou outras discussões e iniciativas, inclusive nos meios ecumênicos, sobre como cultivar uma cultura de superação da violência.

Falaremos da campanha contra o extermínio de jovens por ser uma proposta que vem mobilizando a sociedade e porque, embora concebida por jovens da ICAR, ganhou o apoio de organizações juvenis ecumênicas. Ela nasceu na 15ª Assembleia Nacional das PJs (Pastorais da Juventude) da ICAR no Brasil, realizada em Samambaia/DF, em maio de 2008 e, entre outras contribuições, chamou a atenção para o fato de que tantas mortes juvenis não acontecem por acaso, mas são produto de uma ação sistematizada de extermínio de jovens. Graças (infelizmente) à morte de Gisley, (e felizmente) ao apoio de organizações como a REJU (Rede Ecumênica da Juventude), ligada ao FE Brasil (Fórum Ecumênico Brasil), e ao alcance das próprias PJs, a campanha tem conquistado grande repercussão no território nacional[4].

O momento parece ser ideal para esta discussão. Afinal, vivemos, tanto na esfera nacional quanto mundial, uma época de bônus demográfico, isto é, ocasião onde o número de pessoas em idade produtiva supera o de crianças e o de idosos. Houvesse uma política de inclusão e aproveitamento de toda essa massa produtiva, isto seria ótimo para o Brasil e para o mundo. Porém, não há oportunidades para todas/os, nem ao menos para a maioria. Somente uma parcela da população brasileira e mundial pode se considerar privilegiada por ter moradia, saúde, educação, trabalho e outras condições que assegurem vida plena. O restante da população é considerado material excedente e, portanto, descartável. Se não puder ser eliminado diretamente, que seja entregue à própria sorte, destruindo-se mutuamente na luta por sobrevivência. A violência, quando não causada pelos “privilegiados”, é por eles usada como forma de “purificar” o planeta da “escória humana”.

Com os meios sociais de comunicação nas mãos, a elite dominante consegue, ainda, a proeza de fazer a população acreditar que o extermínio é a melhor solução. Nas conversas informais, sempre surge alguém defendendo a pena de morte, prisão perpétua e até a implantação da lei de Talião (olho por olho). Como as/os jovens competem com as/os adultos pelas oportunidades de renda, e um dos eixos da nossa sociedade é o adultocentrismo, quem é visto como o vilão da história? Mas será que a culpa da violência e da criminalidade é das/os jovens? Serão eles os principais agentes do crime, organizado ou não? Que interesses movem o processo de criminalização da juventude? E podemos, ainda, acrescentar: Condena-se toda a juventude, ou apenas determinados grupos juvenis? A seguir, tentaremos responder a estas questões e propor um modelo de superação da violência juvenil.

2. Dois lados da mesma moeda

Quando se fala em violência, logo nos vem à mente algum tipo de agressão física. O motivo é simples: Esta é a sua face mais evidente e aparente. Mas, antes de falar sobre isso, vejamos o seguinte texto:

Careca[5]
Careca, na verdade Marcelo Cândido de Jesus, tinha 14 anos e escolheu a rua porque estava passando fome em casa. O pai, jardineiro, havia sofrido um derrame há quatro meses e estava sem poder trabalhar. A mãe, Terezinha de Oliveira, também estava desempregada. Tinha mais dois irmãos menores. A família vinha se sustentando com doações de vizinhos. Careca nunca frequentou a escola. Estava na rua há apenas três meses. Morreu assassinado em 23 de julho de 1993.

Fonte: CEAP - Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, Revista PIXOTE
sobre meninos e meninas: O MASSACRE DE CANDELÁRIA, ano1, nº 2, 1993.

Aprendemos pouco desde então ....
Em 1993 foram assassinadas 30.586 pessoas no Brasil, na maioria jovens,
entre os quais CARECA.
Em 2007, foram assassinadas 47.707 pessoas no Brasil, na maioria jovens,
como CARECA.

O caso, conhecido como chacina da Candelária, é emblemático, pois, além de ganhar repercussão mundial, pôs a descoberto uma operação de extermínio de jovens. Embora nada tenha sido comprovado, o mais provável é que policiais, pagos por comerciantes da região, tenham feito uma “limpeza” no centro histórico do Rio de Janeiro. Mesmo que esta suspeita nunca se confirme, só o fato de a hipótese, em vez de parecer absurda, ser vista pela população como plausível, já é uma vitória. Ainda assim, é triste constatar o crescimento de homicídios entre jovens, acima da média geral.
  
Em outro caso de homicídio que ganhou repercussão nacional, foi a vez de jovens queimarem vivo o cacique pataxó Galdino Jesus dos Santos. No primeiro caso, os jovens assassinados eram moradores de rua. Neste, jovens de classe média-alta foram os algozes do líder indígena. Não querendo retirar a culpa destes, nem minimizar as implicações da morte de Galdino, ousamos afirmar que, em ambos os casos, os jovens foram vítimas. No primeiro, a violência explícita, resultando em morte. No segundo, jovens desprovidos de valores. Quando perguntados sobre suas motivações, disseram que imaginavam se tratar de um mendigo. Quem ensinou a eles que a vida de um morador de rua vale menos que a de um líder político?

Estes dois casos parecem pontos extremos da violência, mas são apenas a ponta do “iceberg”. A seguir, veremos outras formas de agressão e como elas terminam em atos extremos, como os dois que acabamos de relatar.

3. Tipos de violência juvenil

A primeira violência contra a/o jovem – da qual nascem todas as outras – é a invisibilidade. Um exemplo claro é a definição mais comum de juventude[6]: Período da vida entre a infância e a idade adulta. Ora, se o jovem não é criança nem adulto, o que ele é? Não é comum ouvirmos esta pergunta. Tampouco os jovens estão habituados a fazê-la. Sua atenção está voltada (porque assim foi treinada) para o futuro: “O que você vai ser quando crescer?” Sua voz não é ouvida no presente. Se ele ousa se manifestar, logo é desqualificado como inexperiente, imaturo, irresponsável. É como se a juventude fosse só um estágio para a vida adulta.

Na esfera institucional, a invisibilidade pode pesar sobre as/os jovens de forma silenciosa, ou bem agressiva. Depende de como elas/es reagem. Andando na contramão dos programas de rádio e televisão, shoppings, internet, moda e da própria arquitetura das cidades, que estão cada vez mais joviais, os espaços privilegiados do poder – as instituições políticas, militares, civis e religiosas – não oferecem nenhum atrativo. Quem se interessa por assistir às sessões do Congresso nacional, por exemplo? Nas forças armadas, o jovem, sendo aspirante ou soldado, está na escala mais inferior da hierarquia, devendo obediência a seus “superiores”. Na escola, os jovens são alunos, ou seja, “sem luz”, cabendo à professora ou professor o papel de “libertá-los das trevas”. As vítimas da ditadura da moda (pessoas que sofrem de obesidade, bulimia, anorexia, dopping, anabolizantes etc.) não aparecem nas estatísticas como jovens, mas como atletas, modelos, fisiculturistas, sedentários... Também no ambiente eclesiástico, há situações em que a/o jovem se sente deslocada/o até em reuniões de conselho paroquial, onde teoricamente todo mundo se conhece. São ambientes sem vida, sem graça, silenciosamente (e imponentemente) hostis, justamente porque não há interesse em que “um/a qualquer” (e as juventudes estão inclusas neste grupo) participe das decisões. Aceitando esta imposição, não há problemas, pois se está dentro da ordem (isto é, sob controle). Mas aquelas/es que não aceitam tornam-se indesejáveis, “baderneiros” e, com isso, correm o risco de conhecer o “poder de argumentação” da polícia militar.

Falando em força policial, a condição social ajuda a definir qual a punição mais severa a se aplicar aos “desordeiros”. Jovens economicamente privilegiadas/os (em sua maioria, brancos e alfabetizados), quando considerados culpados, fazem terapia para pensar em seus erros. Já, os pobres (maioria de negros e analfabetos) passam alguns dias, meses ou anos numa cela. Percebe-se, então, que há uma diferença de tratamento, conforme a condição financeira[7].

Mesmo esta divisão (entre ricos e pobres) é um desrespeito à diversidade juvenil, revelando ainda um certo grau de invisibilidade. Na mesma condição social, há grupos de pichadores e grafiteiros, por exemplo. Ambos mudam a paisagem das cidades onde vivem. Mas uns fazem isso dentro da lei, enquanto os outros optam por desobedecê-la (não por maldade, mas como forma de protesto por não se sentirem incluídos). E mesmo dentro de um único segmento juvenil, há grupos de torcedores organizados, por exemplo, que se preocupam em acompanhar seu time do coração, enquanto outros se reúnem apenas para brigar ou depredar. Classificá-los conforme sua tribo, ou condição financeira, é criar estereótipos, reforçar os preconceitos que só mantêm a discriminação contra as/os jovens.

Bem é verdade que nem todos os jovens são malvistos, mas isso não quer dizer que não sofram com o princípio da invisibilidade. Há aqueles que são respeitados pela sociedade, admirados, estão nas capas de revista, estrelam filmes, novelas e comerciais. Há também os que não atingem a fama, mas são elogiados nas instituições onde estão presentes. Será que o simples fato de estudarem, serem independentes (por méritos próprios, ou condição financeira dos pais), bonitas/os, entre outros, é que lhes confere tanto prestígio? Ou sua capacidade de obediência é que merece “reconhecimento”? Conforme procuramos demonstrar no artigo anterior[8], estes jovens servem como garotas e garotos-propaganda do sistema, transmitindo sempre os valores impostos pelo adultocentrismo. Claro, elas/es não procuram questionar sua condição porque, se nada mudar no cenário atual, quando forem adultos, terão também seus benefícios. Mas serão elas/es, de fato, livres para expressar o que pensam?

Interessante notar que as/os jovens podem deixar de ser invisíveis, conforme o interesse de quem detém o poder e a informação. Por exemplo, quando a violência é causada pelos considerados marginais, ganha repercussão na imprensa, mas quando são eles as vítimas, os noticiários “mascaram” um pouco a realidade. É o caso da recente onda de agressões a homossexuais. Enquanto os agredidos são identificados por sua orientação sexual, os agressores são chamados simplesmente de jovens. A maior parte das mulheres vítimas de agressão, estupro, mães solteiras, ou que tenham sido forçadas a fazer aborto, são jovens, mas os números informam apenas a violência contra a mulher. A maior parte dos presidiários é jovem e negra, muitos condenados injustamente, mas quem está na cadeia só aparece no jornal como “detento” ou “bandido”. Porém, estando em liberdade, com uma arma na mão, praticando algum delito, traficando, ou matando, a manchete é bem específica: “Jovem sequestra ônibus, mata inocentes, é preso com tantos quilos de maconha...” Por isso, é normal que a população fique espantada com a denúncia de que nossas/os jovens estão sendo exterminados. Como esses “marginais” podem se fazer de vítimas, se a TV mostra que eles é que estão ceifando vidas inocentes?

Com isso, vamos percebendo que, à medida em que conquista alguma visibilidade, a/o jovem sofre, infelizmente, outro tipo de violência: a criminalização. Medidas como a redução da maioridade penal e o toque de recolher são consideradas um cuidado com a integridade dos próprios jovens. Alguns dados e estatísticas (solicitadas por quem? A serviço de quem?) “revelam”, inclusive, que diminuiu sensivelmente o vandalismo e o banditismo em cidades brasileiras que adotaram estas medidas[9]. Basta um pouco de criticidade para perceber que os jovens com menos de 18 anos não estão sendo protegidos, mas responsabilizados pela criminalidade no país.

Aliás, é triste constatar que uma considerável parcela da sociedade apoia essas atitudes, provavelmente enganada pela manipulação dos números, matéria em que a mídia é especialista. Obviamente, isto se deve ao medo da violência. O povo sente que algo precisa ser feito. O apelo é para que se imponha limites a essa juventude que está aí. Bom, estamos tentando, no decorrer destas linhas, primeiro questionar se a culpa é mesmo das/os jovens. Mas aqui cabe mais uma questão: Como pode uma cultura ser propositiva e libertadora quando se baseia em proibições e castrações? Que tal se, em vez de impor limites, fossem cultivados valores? Os jovens que mataram Galdino teriam feito o que fizeram se considerassem importante a vida de um mendigo?

Estes são apenas alguns dos tipos de violência juvenil. Certamente, quem nos lê pode acrescentar inúmeros outros à lista. Estas informações são úteis para percebermos que a agressão física não é a única forma, embora seja a mais visível – e talvez a mais extremada – das ações violentas. Passemos agora a ver outras causas e, também, a extensão atual do problema.

4. Outros dados relevantes

Pelo que estamos dizendo, parece até que, exceto a campanha das PJs, nada se está fazendo pelas juventudes. Restabeleçamos, portanto, a verdade de que os últimos governos, na esfera nacional, não têm sido totalmente negligentes. O ingresso na faculdade e a oportunidade do primeiro emprego, entre outras conquistas, tornaram-se mais acessíveis na última década. Além disso, a criação de uma secretaria e a aprovação (não sem uma forte pressão de grupos juvenis organizados) da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que inclui o termo “juventude” no capítulo VII do título VIII da Carta Constitucional demonstram uma preocupação com as/os jovens jamais vista nos governos anteriores. O problema é que, na prática, muitas dessas conquistas ainda são programas. Além disso, a preocupação maior ainda é aproveitá-los no mercado, ou seja, não há uma preocupação sincera com o bem-estar das juventudes. Ainda assim, não há como negar que os direitos adquiridos podem melhorar a vida das pessoas jovens. Porém, se não se tornarem políticas públicas (necessárias, ainda que feitas por adultos, para jovens), correm o risco de ser cancelados a qualquer momento, como aconteceu com o sistema de cotas para negros, ou reformulados para atender aos interesses de outros grupos (interessados em mão de obra qualificada, por exemplo).

Outro ponto a ser esclarecido é que não se quer negar, aqui, que a/o jovem seja culpado pelos seus atos. Aliás, muitos grupos juvenis têm-se mostrado extremamente cruéis. É o caso, por exemplo, dos praticantes de bullying[10] (nas escolas) e cyberbullying (mesma prática, só que empregada nas redes virtuais de relacionamento). Porém, em uma pesquisa com jovens das zonas sul e oeste da cidade de São Paulo, constatou-se que muitas/os jovens são violentas/os porque têm dificuldades de se relacionar, ou não convivem com o pai. Considerando o que vimos até aqui, isto é, a falta de acolhida e de oportunidades proporcionadas pelas instituições, parece óbvio que esses jovens procurem referências em outros setores. Vamos conferir o que disse um dos entrevistados, da zona sul (teoricamente a área mais pobre e violenta) de São Paulo:

O jovem que comete [um] crime [como o assalto e o tráfico], geralmente, só tem a mãe dentro de casa, com mais três, cinco ou até mais irmãos, na maioria das vezes, pequenos. Não vou distinguir cor, porque tanto branco quanto negro, roubam, matam, sofrem esse tipo de violência de não ter o que comer, de não ter esses aparelhos, como você diz, de cultura... não tem onde se divertir. É um jovem sem qualificação profissional, sem perspectiva de vida, porque não chega nem à 5ª série direito. A mente dele é pequena e o que mais almeja na vida é uma moto, um carro. Conseguiu aquilo, pra ele ‘tá satisfeito. Então acho que é um jovem e tenta se espelhar naquele cara que ‘tá mais forte, que é o comandante do bairro, e muitos acabam caindo nessa armadilha de que o mundo é só um carro e uma moto. É um jovem que não pensa em ter uma profissão, fazer uma faculdade, se desenvolver profissionalmente e conseguir outras coisas para os jovens que estão lá (M.B.A., 18-24, M-ZS)[11].

No mundo organizado pelos homens[12], a ausência da figura paterna é um grande problema para a família. O jovem, ansioso por aceitação e inserção social, sente a necessidade de – na verdade, é pressionado a – espelhar-se em uma figura masculina. É neste contexto que aparece, como alternativa, o “comandante” da comunidade. Ele representa o modelo que o jovem não encontra em casa, ou então a oportunidade de inclusão que a sociedade silenciosamente lhe nega. A mãe, muitas vezes impossibilitada de reagir, sofre duas vezes: pela situação de seu rebento e por ser acusada pela lógica patriarcal de “fracassar” na criação dos filhos.

É muito conhecido o slogan: “Adote seu filho antes que o traficante o adote”. Nós discordamos, em parte, por entender que o problema não diz respeito somente ao núcleo familiar. É toda uma sociedade que não o acolhe. Haja vista os problemas apontados pelo jovem entrevistado como origem da violência: fome, desemprego, falta de lazer e de cultura. O tráfico torna-se, então, uma maneira de ser reconhecido, de deixar de ser invisível. O desejo de ter um carro ou moto, aliás, aponta para isso, pois revela a necessidade de ter para aparecer, o que – diga-se de passagem – é de fato uma exigência da lógica capitalista.

Tanta violência causa cada vez mais medo na sociedade. Em consequência, aumenta a pressão por medidas de segurança. As soluções, porém, trazem ainda mais insegurança, pois os militares cada vez mais recebem treinamento (e poderio bélico) para uma guerra. Justificam-se dizendo que os criminosos, principalmente traficantes de drogas, possuem tecnologia superior, estando sempre um passo à frente. Mas usam sua técnica – e truculência – também em manifestações pacíficas, como as dos estudantes, ou dos professores (onde a maioria é composta por jovens). Mesmo em relação aos traficantes, um ex-secretário da segurança nacional, em entrevista a um programa de TV[13], falando sobre o recente episódio do Morro do Alemão, afirmou que muito mais perigosos do que os garotos (sic) da favela são os milicianos, por serem policiais treinados. Aliás, ele afirmou também que o tráfico se firmou, nos morros cariocas, patrocinado pela chamada banda podre da polícia militar. Essas notícias geram, na população, muito mais medo do que respeito. Estar sozinho numa rua deserta, à noite, por exemplo, é motivo para ter tanto medo dos bandidos quanto dos policiais. Pensando nisso, e em medidas de (in)segurança como o toque de recolher, não dá pra evitar a comparação: parece que estamos voltando aos tempos da ditadura militar.

Outro fator preocupante é o expressivo aumento de mortes juvenis na última década. Segundo o Mapa da Violência 2010[14], a taxa de homicídios cresceu mais entre jovens de 14 a 25 anos do que nas demais faixas etárias. As capitais e regiões metropolitanas, consideradas as mais violentas, mantiveram ou reduziram levemente suas taxas[15]. Mas isso não quer dizer que o índice não tenha crescido. Porto Alegre/RS, por exemplo, que se manteve como a oitava capital no ranking brasileiro, teve seus números mudados de 76,7 (a cada 100.000 jovens assassinados) em 1997 para 114,4 em 2007. Se considerarmos que a população juvenil aumentou significativamente nesses 10 anos, os números são ainda mais impressionantes.

Embora pensemos primeiro nos grandes centros, devido ao seu histórico de violências, é nas pequenas e médias cidades do país que os índices têm crescido assustadoramente. Isto é péssimo. Idealizamos o interior como lugar de paz e sossego, e demonizamos as capitais. Nossas músicas regionais sempre exaltaram o campo, o sertão e o interior como paraísos terrestres. Porém, infelizmente, a violência e a criminalidade estão se disseminando por todo o território nacional. Sempre morreram jovens do sexo masculino e feminino, religiosos e ateus, brancos e negros, ricos e pobres, mas agora, contrariando as tradições populares, são motivo de preocupação tanto os assassinatos dos da cidade grande quanto os do interior. Por tudo isso, acreditamos não haver nenhum exagero na expressão “extermínio de jovens”.

Diante desse quadro, o que fazer? Fala-se muito na não-violência como alternativa. Mas deixar de ser violento não é o suficiente para acabar com este mal. É necessário cultivar uma cultura de superação da violência, ou seja, uma cultura de Paz. Mas como isto é possível? E mais... Será que podemos encontrar luzes na Bíblia para solucionar o problema? É o que tentaremos propor, a seguir.

5. Em busca da Paz

Conforme narrado em Ex 1,7, o nascimento de Moisés tem como pano de fundo o que hoje chamamos de bônus demográfico. A fertilidade era uma bênção de Deus, destinada à descendência de Abraão (Gn 12,2). Esta bênção, porém, era vista como uma praga pelos egípcios (Ex 1,9-10). Isso porque a quantidade de filhos do sexo masculino poderia se traduzir, num futuro próximo, em um exército poderoso. A situação chegou ao ponto de o Faraó mandar matar os meninos hebreus de 0 a 2 anos de idade (Ex 1,22).

Exceto a Bíblia, não há nenhum documento registrando este acontecimento trágico e despótico. Entretanto, mesmo que seja apenas uma alegoria, a narrativa mostra como os reis de ontem e de hoje temem o povo e eliminam os focos de resistência. Os governantes atuais, porém, não são adeptos de medidas impopulares. Em vez de eliminar diretamente o material humano excedente, alimentam a lógica competitiva do mercado, onde a próxima, ou próximo, torna-se um adversário a ser batido. Com isso, adultos disputam cada oportunidade entre si e com os jovens. Também as tribos juvenis entram em conflito na luta pela sobrevivência. Quanto mais os recursos se tornam escassos, mais a selvageria impera.

Logo, se queremos cultivar uma cultura de Paz, precisamos estar atentos, primeiro, às lições do grupo liderado por Moisés, que enfrentou o Faraó, em busca da libertação. Em primeiro lugar, precisamos resistir. Essa resistência tem que ser corajosa e inteligente, como a das parteiras (Ex 1,15-19). Além disso, é preciso formar grupos, formar comunidades. Moisés luta sozinho e causa a morte de um egípcio, a ira do rei e a desconfiança dos hebreus (Ex 2,11-15). Quando decide enfrentar novamente a opressão, é chamado a formar comunidade (Ex 3,11-4,16), e finalmente a libertação acontece.

Por fim, é preciso estar atenta/o ao chamado e aos sinais dos tempos. Estudos indicam que o monte Horeb (Ex 3,1) apresentava atividades vulcânicas. Logo, era comum a combustão espontânea de arbustos. Então, o que fez Moisés se admirar com a sarça ardente? Como é que, cumprindo sua rotina de trabalho, ele percebeu que alguma coisa estava diferente? Na correria do nosso dia-a-dia, como percebemos a presença de Deus em nosso meio? Bom, o chamado de Moisés foi a resposta de Javé ao clamor dos hebreus (Ex 3,9-10). Perceber a vontade de Deus, então, passa pela indignação com o sofrimento do povo. Assim, produzir uma hermenêutica juvenil é estar atenta/o (imerso, de preferência) às realidades das juventudes. Podemos abafar as sarças que ardem em nosso peito, ou tirar as sandálias (e, com elas, as desculpas) e colocarmo-nos a caminho.

6. A Paz de Cristo

Depois de tudo o que já dissemos, parece óbvio que Deus esteja nos pedindo para acabar com o extermínio de jovens. Mas como superar um problema já enraizado, inculturado, institucionalizado em nosso meio? A violência já atingiu até os órgãos responsáveis pela segurança nacional, que deveriam ser os primeiros a combatê-la. A militarização do policiamento não lembra somente o tempo (não muito distante) da ditadura, mas também a época da Pax Romana, período em que Jesus nasceu, viveu e foi assassinado. Ela se estendeu até tempos depois, perpassando as comunidades joaninas que devem ter escrito o quarto evangelho, por volta dos anos 90 d.C. Nele, está escrito: “Eu vos deixo a Paz, eu vos dou a minha paz. A paz que eu vos dou não é a paz que o mundo dá. Não fiqueis perturbados, nem tenhais medo (Jo 14,27). Acreditamos que uma reflexão sobre este texto pode dar-nos pistas de como resistir à cultura de violência vigente em nossos dias.

O trecho que relembramos, diferentemente de como é refletido em nossas liturgias, trata-se de um contraponto entre a paz do mundo (Pax Romana) e a Paz de Jesus. Na primeira, tudo corria bem para quem obedecia o imperador e mantinha os impostos em dia. A Paz que Jesus oferecia, porém, era gratuita e geradora de vida. Por isso, não havia razão para ter medo. Falando assim, Jesus encorajava seus ouvintes a resistir e, ao mesmo tempo, denunciava o verdadeiro inimigo, a fonte originária da violência, isto é: o poder opressor.

Aos “desordeiros”, Roma impunha a paz pela espada, sob a justificativa de que nada deveria perturbar a ordem. Ser desordeiro era não pagar impostos, ou não acatar as ordens reais. Para os camponeses empobrecidos, era difícil manter os impostos em dia. Frequentemente, algum grupo se insurgia, sendo logo esmagado pela guarda militar. Quando as revoltas eram maiores, legiões inteiras marchavam contra as cidades. Foi assim que, em 70 d.C., Jerusalém e o Templo foram completamente destruídos. Também hoje, quando há manifestações, normalmente tendo os jovens na linha de frente, o policiamento militar apresenta seus “argumentos”. Ora, isso não é paz. Como diz – e muito bem – a música Minha Alma, da banda de pop rock nacional O Rappa: “Paz sem voz não é paz; é medo”.

As autoras e autores do evangelho de João entenderam que a vinda de Jesus implicava na restauração do Plano de Deus, resumido numa frase: “Eu vim para que (todas/os) tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10). Podemos considerar este o Evangelho da promoção da Vida[16]. Sua mensagem valoriza, ainda (e como consequência), a igualdade de gênero (Jo 11,27)[17], a acolhida ao pobre e ao estrangeiro (Jo 4,1-42) e o respeito à diversidade (Jo 3,1-13). Enquanto a paz de Roma baseava-se em códigos hierárquicos, a de Jesus é fundada na igualdade. Enquanto o imperador exigia obediência, Cristo resgatou a gratuidade nas relações. Em vez da imposição de limites pela força, para manutenção da ordem, as comunidades cristãs aprenderam de seu Mestre a cultivar valores, e a deixar que eles fossem o critério de sua conduta. Ou seja, a vida nova requer práticas novas.

Interessante notar que Jesus denunciou as autoridades de seu tempo, mas foi das discípulas e discípulos que Ele exigiu a conversão dos corações. Restabelecendo o amor como valor primeiro, ordenou aos seus seguidores que se amassem uns aos outros, pois nisso seriam reconhecidos como cristãos (Jo 13,343-35). Esta, a diferença fundamental. O que vemos, hoje, são pessoas clamando pela honestidade dos líderes políticos, mas trapaceando no trânsito, na fila de supermercado, na restituição de bens perdidos. Jovens reclamam da falta de oportunidades, mas agridem covardemente outros jovens, sem dar-lhes nem chance de defesa. Dizíamos há pouco que é necessário formar comunidades, e que elas estejam unidas em prol do fim da violência, mas isso de nada adianta sem o amor à próxima, ao próximo. Uma vez vencido o inimigo comum, os conflitos internos afloram e o problema apenas muda de endereço. Em suma, reproduzir o sistema de opressão não é o caminho para vencê-lo, mas para mantê-lo vivo.

Podemos deduzir, portanto, que a Paz começa por nós mesmas/os, pela maneira como tratamos uns aos outros. Mas é claro que não podemos abdicar do dever de denunciar, cobrar as autoridades, desde que não o façamos usando a mesma arma da opressão, isto é, a violência. Há quem defenda que Jesus, em outros evangelhos, ensine o revide. Em Mateus, por exemplo, Ele diz que não vem trazer a paz, mas a espada (Mt 10,34). E em Lucas, Ele vem trazer fogo e divisão (Lc 12,49-53). Mas, pelo que já falamos sobre a Pax Romana, cremos que as leitoras e leitores já perceberam de que paz Mateus está falando. Já, o fogo e a divisão de Lucas indicam que não temos como ficar indiferentes ao chamado de Deus. Que nossa voz se faça ouvir, não pela imposição, mas pela força do amor que cultivamos em nossos grupos.

7. Olhai por nós

Em Is 32,17, lemos que a “Paz é fruto da Justiça”. O próprio Isaías nos diz que praticar a Justiça é fazer o bem e socorrer o estrangeiro, o órfão e a viúva (Is 1,17), isto é, restabelecer a dignidade aos excluídos, ou – como abordamos neste artigo – aos invisíveis. E o que um/a invisível quer mais do que a visibilidade, isto é, ter vez e voz?

A campanha contra a violência e extermínio de jovens é uma ótima iniciativa, que cada vez mais deve ser abraçada pela juventude da ICAR, mas também de todas as outras denominações. Afinal, não são somente os jovens católicos romanos que estão morrendo. E outras campanhas e propostas que sejam iniciativas de grupos juvenis também devem ser copiadas, desde que resguardada a vida comunitária baseada no amor e cultivo de valores, pois esta é a melhor forma de lhes dar visibilidade.

Por outro lado, também a sociedade precisa dar a contrapartida. O Estado enfrenta um problema gravíssimo, que é a superlotação dos presídios. A solução do Estado? Construir mais presídios. A alternativa mais inclusiva? Em vez de presídios, construir praças, escolas, áreas de lazer e cultura... Por que não proporcionar às/aos jovens oportunidades de lazer, trabalho, estudo, saúde, entre outros? E mais... É necessário assegurar os direitos juvenis, através de políticas públicas de qualidade. Que as ruas, lugares que elas/es mais frequentam, e onde se encontram de fato, ofereçam espaços para a vida, a arte, a criatividade, a interatividade, o trânsito livre, em vez de serem palcos de guerras com outras/os jovens e com o policiamento militar.

Por isso, porque precisamos ouvir a voz das/os invisíveis da sociedade, este artigo não é só um discurso sobre jovens. Muito do que falamos, ao longo dessas páginas, foi fruto de reflexões bíblicas produzidas em cursos para jovens. Escutando-os, percebemos o quanto se sentem acuados. Temem o diálogo direto com seus pais. Reclamam de suas pastoras e pastores, que os tratam como crianças, ou simplesmente os ignoram. Não sentem a escola como um espaço seu, mas um lugar de adestramentos, onde, para ter um futuro, devem entregar o seu presente. Admiram manobras radicais e jogos urbanos que desafiem o policiamento das ruas. Todo este comportamento, de caráter transgressor, é um grito de socorro. Nossas/os jovens querem ser respeitadas/os pelo que são, e não pelo que podem oferecer num futuro próximo. Mas, mais do que isso: eles querem viver. Todo dia, perdem amigas/os para as drogas, a incompreensão, a intolerância. Sabem que estão sujeitas/os, um dia, a ter o mesmo destino. O medo os faz reagir de forma desesperada, algumas vezes. Mas tudo o que fazem revela um grito, um apelo (que vamos repetir, para ficar bem claro e finalmente ser ouvido): A JUVENTUDE QUER VIVER.

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[1] Lema da Campanha Nacional contra a Violência e Extermínio de Jovens.

[2] POSSATO JR., José Luiz; LUCAS Barbara V.: Juventudes e Meio Urbano. Em: Estudos Bíblicos nº 103 – 2009/3, pág. 104 a 115, Ed. Vozes, Petrópolis, 2009.

[3] Modo de organização social que tem a fase adulta como auge da vida humana e, consequentemente, parâmetro de todas as relações.

[4] Para saber mais sobre esta campanha, acesse o site: http://www.juventudeemmarcha.org.

[5] KRANEN, Frans van: Me chamavam de Careca, da série: “para ler”. Disponível em: http://www.myspace.com/franskranen/blog/541087522. Acesso em: 06/12/2010.


[7] Basta lembrarmos que tanto os assassinos de Galdino quanto os dos meninos da Candelária ficaram impunes. Porém, enquanto uns, réus confessos, ficaram em liberdade graças à sua condição financeira, os outros escaparam do julgamento por “falta de provas”.

[8] POSSATO JR., José Luiz; LUCAS, Barbara V.: Juventudes e Mundo Urbano. Op. Cit.

[9] Cf. nota em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u596333.shtml. Acesso em: 03/01/2011.

[10] Prática de depreciação da/o outra/o, através de apelidos, chacotas e outras humilhações. Necessidade gritante de auto-afirmação? Falta de valores? O que já desenvolvemos neste artigo pode levar a leitora, ou leitor, às suas próprias conclusões.

[11] BORELI, Sílvia H. S.; MELO ROCHA, Rose de; ALVES OLIVEIRA, Rita de Cássia: Jovens na Cena Metropolitana – Percepções, Narrativas e Modos de Comunicação, pág. 81, Ed. Paulinas, São Paulo, 2009.

[12] O machismo, ou patriarcalismo, é um problema antigo, que só recentemente, e graças aos movimentos feministas, vem sendo questionado, combatido, ressignificado.

[13] Cf. entrevista do sociólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário da segurança pública nacional, ao programa Roda Viva, exibido em 20/12/2010: http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/1232. Acesso em: 24/12/2010.

[14] WAISELFISZ, Julio Jacobo: Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil, pág. 65 a 88, Instituto Sangari, São Paulo, 2010.

[15] Exceto as capitais São Paulo e Rio de Janeiro, que acusam uma queda acentuada, a partir de 2003, ano que coincide com a campanha do desarmamento.

[16] A palavra “vida” aparece 36 vezes em João, contra 7 em Mateus, 5 em Lucas e 4 em Marcos.

[17] Enquanto os outros evangelhos apontam Pedro como o autor da profissão de fé segundo a qual Jesus é o Cristo, isto é, o Messias (valendo a Pedro, segundo Mateus, o título de Pedra Angular da Igreja), João coloca este ato de fé na boca de Marta.
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JOSÉ LUIZ POSSATO JR.
Assessor do CEBI

O presente artigo escrito em companhia de sua esposa, Barbara Lucas, foi publicado no nº 110 da revista Estudos Bíblicos, da Vozes.